terça-feira, 27 de março de 2012

O Percurso da Psicologia no Estudo da Obesidade




Por Lucia Marques Stenzel

As descobertas da ciência, no que se refere ao problema da obesidade, são fruto de um percurso histórico - científico complexo e descontínuo; e a Psicologia, nos seus mais variados enfoques, tem contribuído para a construção deste espaço de entendimento e tratamento da obesidade e dos transtornos alimentares. Muito tem-se escrito sobre o assunto no âmbito acadêmico, e as pesquisas científicas circulam entre três grandes áreas de conhecimento: a Medicina, que durante muito tempo dominou o que se escrevia e o que se falava sobre obesidade; a Nutrição, com uma história mais recente neste campo, mas muito marcante nos dias de hoje; e a Psicologia que, além de abordar os transtornos alimentares sob o enfoque dos sintomas e da patologia, busca aprofundar questões relacionadas à cultura e aos fenômenos psicossociais associados a estas patologias.

Os estudos sobre obesidade passaram por diversas dimensões de análise e ainda hoje percebem-se diferentes enfoques dados ao tema. O discurso do obeso como “transgressor” é fruto de um período onde a obesidade era vista como um problema moral; isto se deu principalmente no início do século XIX, como demonstram os historiadores e teóricos sociais. Algumas publicações da época, com referências interessantes e “bizarras” sobre estratégias de emagrecimento, já apontavam uma representação negativa e estigmatizada do obeso. Posteriormente a obesidade foi sendo medicalizada e as pessoas com excesso de peso passaram a ser vistas como vítimas de sua doença. A vitimação do obeso como doente também foi acompanhada de um discurso de vitimação social; enfoque este ainda dominante em diversos estudos. Os estudos feministas, por exemplo, ocupam papel importante no campo dos transtornos alimentares, trazendo uma perspectiva psicosociológica ao tema, onde a exclusão é o tema de maior interesse5. Vale salientar que estas não são etapas de estudo lineares, ao contrário, são descontínuas; e ainda hoje percebemos estes diversos enfoques permeados no discurso sobre obesidade.

No que se refere ao saber institucionalizado nos textos e nos artigos científicos, a Medicina ocupa parcela importante; pois, antes de mais nada, a obesidade é considerada uma doença clínica e é assim reconhecida pelas mais diversas áreas. A obesidade é hoje um problema de saúde pública; uma epidemia global, causando aumento de doenças associadas bem como aumento no índice de mortalidade. Nos Estados Unidos fala-se em 280.000 mortes por ano e estima-se que 4,3% do total de custos com a saúde sejam destinados à obesidade6. Na América Latina os índices são similares. Como se refere um documento apresentado pela ABESO - Documento do Consenso Latino-Americano em Obesidade - a obesidade é apontada como um dos mais graves problemas de saúde pública, e a situação do Brasil neste panorama é preocupante.

O percurso da Psicologia nesta área tem como marco a publicação do livro Eating Disorders da psiquiatra Hilde Bruch na década de 70. Hilde Bruch trouxe a obesidade para o terreno das patologias alimentares. Hoje muito tem-se avançado nesta área e são várias as críticas feitas com relação a estas primeiras publicações; um movimento que denota o avanço da Psicologia e da Psiquiatria na direção de um melhor entendimento dos transtornos alimentares. A descrição dos sintomas e a busca pela melhor caracterização das patologias alimentares são o interesse maior das recentes publicações em Psicologia. Já a Psicologia Social, aliada a contribuições de historiadores e teóricos sociais, caracteriza-se por uma análise crítica do tema, procurando demonstrar ‘como’ e ‘por que’ determinados comportamentos assumem o status de doença dependendo da época nos quais estão inseridos. A História nos ajuda a compreender quando, como e por que a idéia do excesso de peso como patologia foi ganhando espaço e é assim assumida nos dias de hoje. A cultura do controle de peso ganhou sua independência e seu espaço social, e o resultado disto neste século é uma mudança significativa das preocupações humanas. A sociedade ocidental vive um conflito entre o desejo e o controle, onde o último deve vencer o primeiro. Diferenciar e estabelecer o que é e o que não é patologia nesta área tem sido um dos maiores desafios dos profissionais que lidam com transtornos alimentares.

São muitos os teóricos que vêm se dedicando ao estudo do corpo e das patologias alimentares; reflexões que combinam discussões da Filosofia, Psicanálise, História, Antropologia, Psicologia, Medicina, etc. Todas estas áreas formam um campo teórico multidisciplinar que possibilita a melhor compreensão do corpo e da alimentação na contemporaneidade. Disciplinas como Food Studies, Body and Society, Women Studies, Public Health, Medical Sociology, são somente alguns exemplos de espaços acadêmicos no exterior em que se reflete e se discute o problema da obesidade sob enfoque multidisciplinar. A exemplo disso, as universidades brasileiras vêm abrindo cada vez mais espaço neste campo, e a Psicologia vem adquirindo destaque nesta área. Recentes publicações têm estabelecido um interessante debate sobre a inclusão da obesidade no espectro dos problemas “adictivos”; outras se ocupam do uso (e/ou não-uso) de algumas medicações. Enfim, várias outras discussões se fazem presentes nos mais diversos espaços da academia e em suas respectivas publicações.

O percurso da Psicologia não é solitário quando se trata do tema da obesidade. Seja na prática clínica ou através da produção teórica, a Psicologia segue demarcando seu espaço de reflexão na tentativa de ampliar seus recursos no entendimento e tratamento do problema. Este é mais um destes espaços onde, oportunizados pela ABESO, procuraremos dar continuidade à construção de conhecimento neste campo com muita seriedade, dedicação e ética.

* STENZEL, Lucia Marques. O Percurso da Psicologia no Estudo da Obesidade. Revista da Abeso. Edição nª 17 Ano IV, Dez. 2003. Disponível em: http://www.abeso.org.br/pagina/172/o-percurso-da-psicologia-no-estudo-da-obesidade.shtml. Acesso em 27 de Março de 2012.







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